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Qual a sua favorita?

Chico Buarque faz 80: músicos listam canções icônicas do mestre da MPB

Artistas e intelectuais enumeram os talentos de Chico e elegem, dentre tantas, a canção preferida do mestre carioca

Márcia Moreira • 19/06/2024 - 13:12
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                Chico Buarque faz 80: músicos listam canções icônicas do mestre da MPB
Ícone na música, Chico é considerado um dos maiores autores de língua portuguesa de todos os tempos | Imagem: Leo Aversa | Divulgação

Quantas gerações se perderam de amor na poesia desses olhos verdes (ou seriam azuis?) que hoje completam 80 anos? Bom, pra começar essa tarefa hercúlea de escrever sobre um dos gênios da música popular brasileira, parafraseando a canção Iolanda, eu digo “essa matéria é mais do que uma matéria; quem dera fosse uma declaração de amor”.

Porque hoje, dia do seu aniversário, Francisco Buarque de Hollanda merece todas as homenagens e todas as declarações. Seria fácil identificá-lo como cantor, compositor, escritor, dramaturgo. Mas, ainda assim, seria insuficiente para definir tudo que Chico representa para a cultura brasileira e para as muitas gerações desse País.

Suas músicas tocam nossa alma, nosso coração, nos emocionam e também nos fazem refletir. Em momentos que nos mandaram calar (época da ditadura militar), ele foi nossa voz que bradou “Pai, afasta de mim esse cálice”.

“Meu caro amigo, me perdoe, por favor”, se o texto não estiver à sua altura. Sei que você está em Paris, onde vai comemorar o aniversário junto aos seus. Se estivesse aqui, te perguntaria: “Quem é você, diga logo que eu quero saber o seu jogo, que eu quero morrer no seu bloco, que eu quero me arder no seu fogo”.

Sim, porque todos e todas já nos apaixonamos, em algum momento, por uma canção sua, até mesmo pelo seu jeito, meio sem jeito, de cantar. Como dizem os versos: “Se eu pudesse entrar na sua vida”... Mas, já que não vamos nos ver, mando saudações aqui do Brasil, porque você, Chico, “foi chegando sorrateiro e antes que eu dissesse não, se instalou feito um posseiro dentro do meu coração”.

Pra terminar, “vou colecionar mais um soneto”: Depois de te perder / Te encontro, com certeza / Talvez num tempo da delicadeza / Onde não diremos nada / Nada aconteceu / Apenas seguirei como encantado / Ao lado teu.

Legado e deleite

Para falar sobre a vasta e rica obra de Chico Buarque de Hollanda, conversamos com um time de feras da música para saber a influência do mestre carioca em suas vidas; se tinham uma canção preferida, mas, principalmente para responder a seguinte pergunta: Qual o seu Chico (compositor/escritor/dramaturgo) favorito? Eles abriram o coração e falaram, com carinho e admiração, desse grande artista brasileiro.

Danilo Caymmi, músico, cantor, compositor, não tem dúvidas. “Se tiver que escolher um só Chico, fico com o Chico compositor. A minha canção preferida é Joana Francesa, sempre gostei muito dela”, diz.

Já o irmão de Danilo, o músico, compositor e cantor Dori Caymmi, confessa que tem dificuldade para eleger uma canção favorita, devido à “grande quantidade de músicas muito bonitas, feitas sozinho e com parceiros”. Mas Dori não tem dúvidas quando o assunto é o seu Chico favorito. “É o compositor. Tenho grande admiração pelo compositor que faz música e letra, uma coisa que veio do meu pai [Dorival Caymmi], e Chico é mestre nisso”.

Em 2023, Dori Caymmi também completou 80 anos e fez questão de deixar uma mensagem para o amigo: “Wellcome to the club! (risos). Um beijo”.

Em fevereiro deste ano, a Orquestra Sinfônica da Bahia (Osba) apresentou na Concha Acústica do Teatro Castro Alves o baile concerto Noite dos Mascarados – uma homenagem a Chico Buarque, antecipando as homenagens aos 80 anos do músico carioca. O maestro Carlos Prazeres lembra da influência que o compositor exerceu em sua vida. “A obra de Chico embalou meus mais lindos amores, me iluminou politicamente e me fez enxergar o Brasil com lentes cirúrgicas. Nasci em plena ditadura e entender o Brasil através da arte foi fundamental para mim”, conta.

Ele diz não ter um Chico preferido já que, para ele, os três Chicos (compositor/escritor/dramaturgo) se completam.

“É como se a métrica dos versos teatrais e políticos de Chico fossem a matéria-prima de sua obra”, analisa. Mas o maestro confessa ter uma música predileta: Joana Francesa. “Fico completamente boquiaberto com as harmonias tão incríveis, aliadas aos jogos de palavras tão lindos entre o português e o francês”, diz.

Na montagem de 2014 do musical Ópera do Malandro, o cantor e compositor Moyseis Marques viveu o anti-herói Max Overseas. Além disso, já fez um show apenas com canções de Chico e se apresentou junto com a Osba na Concha do TCA.

Das muitas facetas do aniversariante, ele destaca a do cantor, “por dedicar sua voz frágil e precisa a decodificar melodias complexas e letras densas, contundentemente brasileiras, como se fosse fácil. A ponto de, mesmo com os maiores intérpretes dando voz a suas músicas, ainda termos predileção por ouvi-las com o próprio Chico”, diz.

Sobre a canção preferida, ele brinca: “A desta semana? (risos)”. Moyseis elege As Caravanas, uma composição recente. “Esta canção ganhou todos os prêmios e assombrou os ouvintes, contrariando quem só gosta do Chico antigo. É moderna, densa, fala de seu povo, tem melodia surpreendente, letra ‘padrão Chico Buarque de Hollanda’ e ainda tem ‘beatbox’ pra provar que o homem se mantém atento”, afirma.

Quem também participou do concerto da Osba foi a cantora Márcia Castro. Ela conta que Chico sempre esteve presente em sua vida. “Cresci num lar muito politizado, onde essas questões que envolviam política e arte sempre estiveram muito presentes, a partir de meu pai, que sempre ouviu muito Chico Buarque. Então, desde muito cedo, desde pequena, Chico virou referência no meu trabalho musical”, diz.

Sobre o Chico favorito, ela se diz dividida entre o dramaturgo e o compositor. “Pra mim, é o dramaturgo porque eu sou apaixonado pelas obras de Chico, pelas peças dele, mas devo confessar que o Chico compositor está presente há muito mais tempo na minha vida. Então, como cantora, meu Chico preferido é o compositor”.

Mas Márcia não consegue citar apenas uma canção favorita. “Vou ficar com três canções, que são bem diferentes. Uma é Construção, que eu acho assim uma das obras mais perfeitas em termos de composição da música brasileira; Geny, também, que é meio canção e teatro, como muitas das obras de Chico, e a outra seria Mar e Lua, pela subjetividade feminina lésbica que existe nessa canção e que sempre me identificou muito na obra dele”.

Para tentar entender a genialidade do compositor Chico Buarque de Hollanda, recorremos a outro gênio, o maestro e compositor Paulo Costa Lima, professor da Ufba e membro da Academia Brasileira de Música. Ele não consegue citar apenas uma música favorita e cita duas que, para ele, são como uma única composição.

“Construção e Deus lhe Pague; (entendo como uma canção só). Mas, de todas essas, Construção ocupa uma posição especial. É uma canção modernista, ou seja, transpõe para o campo da música popular a densidade das questões desse movimento”.

“Sempre falo em três grandes dimensões da canção: o rigor da lógica que amarra todos os eventos ao evento central (a queda do operário); em segundo lugar essa condição heróica: o operário levanta paredes, o poeta levanta estrofes; o heroismo de dizer tudo o que era preciso ser dito em plena ditadura, de uma forma que a censura nem chega perto”, continua Paulo.

“E a terceira dimensão, que é a de apresentação de um mantra, a melodia lembra o canto gregoriano e sussurra em nosso ouvido a dimensão ética do que se está vivendo como canção. De forma inconsciente, a organização dos afetos da canção remete à Paixão de Cristo, a morte de alguém que veio revelar a verdade do que vivemos...e Deus lhe Pague é uma espécie de canto de ressurreição, onde, finalmente, a voz do morto se faz ouvir”, finaliza o professor.

Viva Chico Buarque de Hollanda!!!

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